quarta-feira, 17 de abril de 2013


...  LER A LIBERDADE...


 

QUEM A TEM...

Não hei-de morrer sem saber 
Qual a cor da liberdade. 
Eu não posso senão ser 
desta terra em que nasci. 
Embora ao mundo pertença 
e sempre a verdade vença, 
qual será ser livre aqui, 
não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade, 
é quase um crime viver. 
Mas embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo 
não hei-de morrer sem saber 
qual a cor da liberdade.
                           
                          (Jorge de Sena, Poesia II)




CANTIGA DE ABRIL

Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
 «Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade»

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
Reinaram neste pais,
E à conta de tantos danos,
De tantos crimes e enganos,
Chegava até à raiz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Tantos morreram sem ver
O dia do despertar!
Tantos sem poder saber
Com que letras escrever,
Com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essa paz de cemitério
Toda prisão ou censura,
E o poder feito galdério.
Sem limite e sem cautério,
Todo embófia e sinecura.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esses ricos sem vergonha,
Esses pobres sem futuro,
Essa emigração medonha,
E a tristeza uma peçonha
Envenenando o ar puro.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essas guerras de além-mar
Gastando as armas e a gente,
Esse morrer e matar
Sem sinal de se acabar
Por politica demente.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo
O nome de Portugal,
Essa amargura sem fundo,
Só miséria sem segundo,
Só desespero fatal.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
Durou esta eternidade,
Numa sombra de gusanos
E em negócios de ciganos,
Entre mentira e maldade.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Saem tanques para a rua,
Sai o povo logo atrás:
Estala enfim altiva e nua,
Com força que não recua,
A verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

                      Jorge de Sena, 26-28/4/1974